sábado, 19 de dezembro de 2009

Google anuncia pesquisas com computador quântico


Controvérsia quântica

Quando a empresa canadense D-Wave, então desconhecida e classificada como "emergente", anunciou ter construído um processador quântico usando quase a mesma tecnologia dos processadores convencionais, quase ninguém acreditou.

A notícia ganhou a imprensa em 2007, mas físicos do mundo todo se apressaram em afirmar que um processador quântico usando qubits codificados magneticamente em loops supercondutores estava em algum ponto numa escala que ia de uma impossibilidade a um engodo.

Endosso quântico

Parece que o Google não levou muito a sério o parecer dos consultores científicos. Neste sábado, a empresa causou surpresa ao anunciar que não apenas está investindo na computação quântica da D-Wave, como já alcançou os primeiros resultados práticos.

De acordo com Hartmut Neven, escrevendo no blog de pesquisas da empresa, o Google vem investindo silenciosamente na computação quântica há três anos, usando o novo chip híbrido da D-Wave - portanto desde antes de sua apresentação pública. Segundo a D-Wave, seu chip efetua processamento quântico, mas também é capaz de processar bits normais sequencialmente.

A pesquisa usando o novo processador está voltada para a busca em imagens, mais especificamente, encontrar objetos em uma base de dados de figuras, fotos e vídeos.

Tipos de processadores quânticos

O programa está longe de ser disponibilizado para buscas online, mas um aplicativo real - atualmente capaz de encontrar carros em fotos - está anos-luz à frente do processador quântico programável que rodou pela primeira vez há poucos dias.

Mas a comparação precisa de muitas ressalvas. O fato é que os dois "hardwares" não são diretamente comparáveis. O processador quântico universal, anunciado na semana passada, pertence à classe dos processadores quânticos "puros" - no sentido de que se baseia nos fundamentos tidos pela grande maioria da comunidade científica como os mais promissores para a realização prática na computação quântica, nomeadamente, nos qubits de átomos artificiais, isolados em armadilhas magnéticas.

Já o chip da D-Wave, embora anunciado pela empresa como um processador quântico, continua dividindo as opiniões na comunidade científica. Segundo o próprio Neven, os cientistas ainda estão tentando caracterizar o pretenso chip quântico.

"Infelizmente, não é fácil demonstrar que um sistema de múltiplos qubits, como o chip da D-Wave, apresenta de fato o comportamento quântico alegado e os físicos experimentais de várias instituições continuam tentando caracterizar o chip," escreve ele.

Busca quântica por imagens

O fato é que o Google não parece muito impressionado com essas discussões acadêmicas. Na prática, o chip da D-Wave, quântico ou não, está permitindo que a empresa experimente com uma tecnologia de buscas que opera em uma velocidade que não é atingível com as nuvens de computadores eletrônicos atuais.

Usando uma base de dados de 20.000 fotos com cenas urbanas, metade contendo imagens de carros e metade não, os pesquisadores usaram o chamado algoritmo quântico adiabático, desenvolvido por Edward Farhi, do MIT, para treinar o sistema quântico para que ele pudesse reconhecer o que era um carro.

A seguir, o algoritmo rodou contra um segundo conjunto de 20.000 fotos e deu a resposta num tempo menor do que qualquer computador existente hoje nos data-centers do Google.

"Ainda há muitas questões em aberto, mas em nossos experimentos nós observamos que esse detector tem desempenho melhor do que aqueles [algoritmos] que treinamos usando soluções clássicas rodando nos computadores que temos em nossos data centers hoje," escreve Neven.

Computadores clássicos, quânticos e outros

Os computadores atuais, que já começam a ser chamados de computadores clássicos, usam a chamada arquitetura von Neumann, nos quais os dados são processados de forma sequencial, conforme regras definidas em um programa. Para acelerar o processamento, o programa deve ser rodado em paralelo, usando vários processadores.

Já os computadores quânticos prometem um processamento muito mais rápido, usando um fenômeno chamado superposição quântica. Uma partícula - um íon, um elétron ou um fóton - pode estar em dois estados diferentes ao mesmo tempo. Enquanto um bit clássico pode ser 0 ou 1, um qubit pode ser as duas coisas ao mesmo tempo.

Uma outra arquitetura, chamada "sinaptrônica", foi recentemente apresentada por pesquisadores ligados à IBM - veja Computação cognitiva: IBM simula o cérebro de um gato.

Milagres da computação quântica

"Muitos dos serviços que oferecemos hoje dependem de sofisticadas tecnologias de inteligência artificial, como o aprendizado de máquina ou o reconhecimento de padrões. Ocorre que resolver os mais difíceis desses problemas exige fazendas de servidores tão grandes que nunca poderão ser construídas," diz Neven, justificando o interesse de sua empresa em uma tecnologia tão inovadora quanto a computação quântica.

Se a solução não pode ser encontrada em empilhar mais e mais servidores, até chegar literalmente às nuvens de computação, computadores baseados nas complicadas e quase sempre estranhas propriedades da mecânica quântica podem ser a salvação.

Neven exemplifica o funcionamento dos computadores citando os ganhos obtidos com os algoritmos que estão sendo desenvolvidos e que serviram de base para o programa localizador de carros.

Imagine um grande móvel, com um milhão de gavetas. Dentro de uma delas, há uma bola escondida. Quantas gavetas você terá que abrir para encontrar a bola?

Algumas vezes, muito poucas vezes, você poderá ter sorte e achar a bola nas primeiras tentativas. Noutras, porém, terá que abrir praticamente todas. Na média, você terá que abrir 500.000 gavetas até achar a bola.

Mas um computador quântico, com seus entrelaçamentos e superposições, achará a bola, em média, olhando em 1.000 gavetas. Se é difícil entender como isso é possível, o fato é que o novo processador oferece os resultados cerca de 50.000 vezes mais rápido. Os três anos de dedicação dos pesquisadores do Google e da D-Wave comprovaram este funcionamento.

Se estamos de fato frente a um processador quântico que pode ser fabricado com as mesmas técnicas dos computadores eletrônicos atuais é algo que ainda merecerá muitas discussões. Mas que a D-Wave pegou uma nova onda com o suporte do Google, disso ninguém duvida.

Cientistas brasileiros querem testar as leis fundamentais da Física


Verdades questionadas

Testar as leis fundamentais da física: é este objetivo grandioso o grande motivador do projeto Física e astrofísica de neutrinos, coordenado pelo físico Marcelo Moraes Guzzo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O trabalho consistirá na checagem de pressupostos largamente adotados nos estudos da física - como a de que as leis da física não mudam quando se passa de um referencial inercial a outro ou de que a massa inercial de um corpo é equivalente à sua massa gravitacional.

"Essas leis e outras do mesmo porte são tidas como certas, mas precisam ser testadas de todas as formas imagináveis. Uma maneira muito poderosa e eficaz de testá-las é por meio dos neutrinos", disse Guzzo.

Ondas quânticas

O teste se baseia em um fenômeno chamado oscilação quântica de neutrinos (OQN), previsto pelo físico italiano Bruno Pontecorvo (1913-1993) em 1957 e comprovado experimentalmente em 1998.

Como todas as partículas subatômicas, os neutrinos se propagam no espaço como ondas. E a OQN é um fenômeno de interferência, semelhante ao que ocorre quando duas ou mais ondas se cruzam na superfície da água. A diferença é que, aqui, não se trata de ondas mecânicas, mas sim quânticas.

"A oscilação quântica de neutrinos é muito sensível a qualquer variação de parâmetros. Por exemplo, se a massa inercial fosse diferente da massa gravitacional por um fator tão pequeno quanto 10 elevado a menos 15 (um milionésimo de bilionésimo), isso já seria suficiente para afetar a OQN. Caso ocorresse, tal alteração desmentiria a equivalência entre massa inercial e massa gravitacional", explicou Guzzo.

O trabalho do grupo da Unicamp é fazer previsões teóricas que, uma vez publicadas nas revistas especializadas, possam inspirar outras equipes de pesquisa.

Radioatividade no corpo humano

Tudo isso parece muito exótico porque o neutrino ainda é uma partícula cercada de mistério. No entanto, os neutrinos são, juntamente com os fótons (corpúsculos de luz ou, mais precisamente, partículas associadas à interação eletromagnética), os objetos mais abundantes no Universo.

Estima-se que para cada próton existam cerca de 10 bilhões de neutrinos. E eles não estão necessariamente longe. Por exemplo, a cada hora o corpo humano emite cerca de 20 milhões de neutrinos, liberados por míseros 20 miligramas de potássio radioativo presentes no organismo.

A cada segundo, os seres humanos são atravessados por aproximadamente 50 bilhões de neutrinos gerados por fontes radioativas naturais da Terra, mais de 100 bilhões saídos de reatores nucleares e de 100 trilhões a 400 trilhões vindos do Sol. Esses últimos chegam inclusive à noite, pois são capazes de atravessar o planeta inteiro, entrando por um lado e saindo pelo outro.

Partícula misteriosa

De onde vem, então, a aura de mistério que circunda essa partícula? Vem do fato de que ela praticamente não interage com nada. Tanto assim que, em 1934, o físico Hans Bethe (1906-2005) chegou a afirmar que o neutrino jamais seria observado.

No entanto, em junho de 1956, Clyde Cowan (1919-1974) e Fred Reines (1918-1998), dois físicos do Laboratório de Los Alamos, nos Estados Unidos, o mesmo onde foi produzida a bomba atômica, conseguiram desmentir a profecia e detectar o fugidio corpúsculo.

Mas a detecção ainda é um problema. Além de ser feita de maneira indireta, exige quantidades descomunais de neutrinos e detectores gigantescos, como o Super-Kamiokande, no Japão, e o IMB (Irvine, Michigan, Brookhaven), nos Estados Unidos.

Com massas da ordem de 50 mil toneladas e enterrados em grandes profundidades, para barrar a influência dos raios cósmicos, esses detectores utilizam água puríssima, na qual o trânsito ultrarrápido das partículas produz indiretamente, por meio de uma sucessão de efeitos, uma luminescência azulada, conhecida como radiação de Cherenkov.

Descoberta do neutrino

A existência do neutrino foi proposta teoricamente por Wolfgang Pauli (1900-1958) em 1930, com o objetivo de explicar por que, no decaimento beta (processo de desintegração em que um núcleo atômico se transforma em outro e emite um elétron), a energia do elétron emitido não correspondia ao valor esperado.

Segundo o grande físico austríaco, uma partícula, que ele chamou de "X", carregava consigo a energia que faltava ao elétron. Sabe-se, hoje, que o decaimento beta corresponde à desintegração do nêutron, detectado em 1932 pelo inglês James Chadwick (1891-1974).

O físico italiano Enrico Fermi (1901-1954) rebatizou a "partícula X" com o nome de neutrino, para indicar que ela era eletricamente neutra e possuía muito pouca massa. Além disso, Fermi utilizou a hipótese do neutrino para elaborar uma teoria abrangente do decaimento beta. Nela, descrevia o espectro de energia do decaimento beta para um neutrino de massa nula e como o espectro mudaria se o neutrino tivesse uma pequena massa.

Equilíbrio gravitacional do Universo

A questão da massa do neutrino arrastou-se por décadas e ainda não está inteiramente resolvida. Durante muito tempo acreditou-se que essa partícula, assim como o fóton, teria massa nula. Hoje admite-se uma massa diferente de zero, porém seu valor exato continua desconhecido.

Embora muito pequena, várias ordens de grandeza menor do que a massa do elétron, a massa do neutrino desempenharia um papel crucial no equilíbrio gravitacional do Universo, devido ao número literalmente astronômico dessas partículas.

Graças aos detectores gigantes, o estudo dos neutrinos avançou muito nas últimas décadas. "Com o aprimoramento dos métodos de detecção, essas partículas ainda misteriosas poderão vir a ser uma excelente fonte de informação sobre regiões distantes - como, por exemplo, o centro do Sol", disse Guzzo.

Os fótons gerados no centro do Sol levam cerca de 1 milhão de anos para alcançar a superfície de nossa estrela e daí viajar para a Terra. Os neutrinos, devido ao fato de praticamente não interagirem com nenhuma outra partícula, viajam do centro do Sol à Terra em apenas 8 minutos.

"Em outras palavras, as informações trazidas pela radiação eletromagnética acerca do núcleo solar são velhas. As informações trazidas pelos neutrinos são novas em folha. Precisamos apenas descobrir como acessá-las", destacou Guzzo.